Ministério da Cultura
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Superintendência do IPHAN no Estado de São Paulo
Coordenação Técnica do IPHAN-SP
NOTA TÉCNICA nº 545/2023/COTEC IPHAN-SP/IPHAN-SP
ASSUNTO: OFÍCIO VEREADOR PAULINHO JUVENTUDE Nº 1591/2023 - CÂMARA MUNICIPAL DA ESTÂNCIA TURÍSTICA DE SÃO ROQUE
REFERÊNCIA: Proc. 01506.000903/2023-67
São Paulo, 31 de agosto de 2023.
Analise do Plano Diretor de São Roque sob a perspectiva da Preservação, Conservação e salvaguarda dos bens culturais do município
1.0 Introdução
Apresento a manifestação técnica sobre a salvaguarda de bens culturais no município de São Roque em face às mudanças que a minuta do Plano Diretor do ano de 2023 apresenta para o município.
As transformações históricas e sociais por quais passaram a sociedade brasileira deixaram neste município um legado de cultura material e de paisagens que são testemunhos da formação e da história de São Paulo e do país. As referências culturais e lugares de memória em São Roque, em sua dimensão material, apresentam importantes bens de relevância nacional, regional e local. O presente documento tem por objetivo apresentar uma breve caracterização destes bens culturais, ponderar sobre o impacto que a minuta do Plano Diretor da cidade pode ter sobre esses patrimônios a apresentar instrumentos de Preservação que podem desempenhar um papel relevante para a salvaguarda destes bens culturais no município.
2.0 Bens Tombados no município de São Roque
2.1 Bens Tombados Federais
2.1.1 Sitio Santo Antônio e Capela
O Sitio Santo Antônio e capela estão protegidos materialmente pelo tombamento do IPHAN. A área de entorno deste monumento não está definida em portaria e atualmente é discutida a sua delimitação dentro da Superintendência do IPHAN São Paulo. O fato de não haver portaria do IPHAN com a delimitação da área de entorno do Sitio Santo Antônio não torna sua área de entorno imediata ou expandida desprotegida pelo órgão de Preservação federal. Neste caso, quando não há portaria publicada, a área de entorno, as intervenções, as obras e as taxas de uso e ocupação do solo e regras de desmembramento de áreas rurais assim como a aprovação de empreendimentos ficam sujeitos à análise e aprovação do IPHAN. Deste modo, a minuta do Plano Diretor do município no que tange à mudanças previstas para o entorno deste monumento, que até o presente momento é composto por áreas rurais, pode ser objeto de consulta e análise pela instituição.
2.2 Bens Tombados Estaduais
2.2.1 Sitio Santo Antônio e Capela
O Sitio Santo Antônio e capela estão protegidos materialmente pelo tombamento do CONDEPHAAT. As áreas de entorno dos tombamentos do Condephaat, por muitos anos foram definidas a priori por um raio de 300 metros a partir do monumento edificado. No caso do Sitio Santo Antônio é recomendo consultar o órgão de Preservação estadual para dirimir as informações sobre a área de entorno estabelecida para este monumento.
2.2.2 Serra do Boturuna
A Serra do Boturuna, habitualmente chamada de Voturuna, compreende uma área entre a Bacia de São Paulo e a Depressão Periférica Paulista, inserindo-se, assim, no contexto das serranias de São Roque. De grande valor paisagístico e importante área natural remanescente, este monte quartzítico situa-se a menos de 50 km do centro da metrópole paulistana. Dotada de solos pobres, densas florestas de encostas fragilmente implantadas e recursos hídricos representados por torrentes radiais, esta serra caracteriza-se pelo tipo de mata do domínio das florestas atlânticas de planalto e por ser refúgio forçado da fauna regional, devido à devastação e ocupação intensiva dos espaços que a circundam. A área tombada é definida por um polígono irregular com eixo maior de 6.900 m (comprimento) e eixo menor de 2.300 m (largura), envolvendo terras dos municípios de Santana de Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus e o distrito de Araçariguama, em São Roque. Situa-se entre as coordenadas UTM 7.409,00-7.406,00 kmN e 300,00-292,00 kmE. (Fonte Processo de Tombamento CONDEPHAAT)
É importante lembrar que o entorno deste monumento natural também deve ser levado em conta em relação ao impacto das possíveis alterações propostas na minuta do Plano Diretor.
2.2.3 Antiga Fábrica de Tecidos Brasital
A Antiga Fábrica de Tecidos da Brasital no município de São Roque se encontra em processo de tombamento pelo CONDEPHAAT.
Fundada no final do século XIX pelo empresário italiano Enrico Dell'Acqua esta fabrica funcionou até a década de 1970 em São Roque e foi uma das mais importantes do estado de São Paulo, além de ser a primeira fábrica de tecidos de algodão na América do Sul. O processo de tombamento do CONDEPHAAT é fundamentado sob a perspectiva deste bem cultural como suporte material para a memória do trabalho e do trabalhador no estado de São Paulo. Concomitante a este aspecto histórico e social reconhecido no processo de tombamento do CONDEPHAAT, a arquitetura da Brasital também apresenta valor e interesse como patrimônio arquitetônico e artístico e é uma referência para o patrimônio industrial do estado de São Paulo e do Brasil.
O fato de estar em processo de tombamento salvaguarda este bem em sua totalidade, ou seja, no período em que um bem cultural está sendo estudado, avaliado e analisado é o momento de maior acautelamento técnico e jurídico do mesmo, uma vez que ainda não foram definidos critérios técnicos e objetivos de intervenção em sua materialidade e em sua área de entorno, a qual também ainda não se encontra definida nesta fase.
2.3 Bens Tombados Municipais
O centro da cidade de São Roque preserva o traçado urbanístico e alguma volumetria do casario embora esteja com alto grau de descaracterização de seus elementos históricos e de autenticidade. O casario da área central apresenta alto grau de descaracterização. Numa primeira análise morfológica preserva a frente de lotes embora não preserve os recuos característicos do desenho urbano dos séculos XVII e XVIII. Alguns imóveis passaram por uma alteração agressiva do gabarito. Todas essas intervenções não permitem uma leitura clara do espaço histórico e mutilaram muitos elementos de autenticidade arquitetônica e urbanística do centro da cidade, uma perda que é irreparável do ponto de vista dos bens culturais como elementos que pertencem a toda a sociedade, caracterizados por serem recursos não renováveis e são insubstituíveis. Destaca-se na morfologia desse espaço a Igreja de São Benedito, data de 1855, um dos poucos imóveis que mantem suas caraterísticas internas e externas.
A preservação destes bens tem se desenvolvido na esfera municipal, a qual tem passado por inconstâncias na política pública municipal de Preservação com a desativação de seu Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico e Cultural da Estância Turística de São Roque (CONPREHAA), criado pela Lei Complementar 09/98 no ano de 1998.
O Conselho promoveu algumas ações na cidade, como em 2014, quando ocorreu a Semana de Conscientização e Preservação do Patrimônio Histórico, Natural e Cultural de São Roque, numa tentativa de reativá-lo. Desde sua fundação, existem duas indicações (Nº 2055/2013 e Nº225/2022) e um requerimento (Nº 149/2017) solicitando a reativação do CONPREHAA, mas segue sem funcionamento.
3.0 Considerações sobre as áreas rurais do município de São Roque
São Roque é um raro exemplar de município a poucos quilômetros da capital do Estado de São Paulo que ainda preserva áreas rurais e modos de vida relacionados à agricultura e às tradições gastronômicas. Essas tradições culturais estabelecem relação direta com a identidade do lugar e com a história e a formação do território e do município.
Na estratégia portuguesa de dominação do território, o litoral foi selecionado como território para a fundação de cidades[1] - o desbravamento do interior do Brasil se intensificou e consolidou apenas com a descoberta dos metais e pedras preciosas. Neste contexto, São Roque é um município que tem origem no século XVII e se insere no período de interiorização da ocupação do território brasileiro por Portugal. A formação do território estabelece relações com o tropeirismo e com as expedições de bandeiras que ligavam as regiões do interior do Brasil, as quais correspondem atualmente aos estados da região sul, centro oeste, Minas Gerais e São Paulo.
Antecedia ao status de “Cidade”, o status de “Vila” e as ocupações e aglomerações de pessoas no território que não eram consideradas e qualificadas como Vilas ou Cidades eram denominadas como “Povoado”, “Arraial”, “Aldeia”, sendo que pesquisadores atribuem diferentes características à cada uma dessas aglomerações. No ano de 1832 São Roque foi elevada à condição de vila, condição bastante importante dentro do estamento burocrático de então. Em 1864 foi elevada à categoria de município, sendo um dos municípios mais antigos do país.
Ao final do século XIX o governo brasileiro executou uma política imigrantista agressiva e de larga escala para substituição do trabalho de pessoas escravizadas implantado junto com a produção agrícola exportadora e para povoamento de regiões remotas e com pouca população. O município então recebe os primeiros imigrantes italianos em função da implantação da Fábrica de Tecidos Brasital e segundo pesquisadores é esta primeira leva de imigrantes retoma de modo doméstico a cultura da uva no município, de modo experimental e amador com introdução de novas técnicas e espécies. A partir dos anos 20 e 30 do século XX, São Roque e Jundiaí se tornaram “os maiores produtores de vinho e uva de mesa respectivamente”[2] como resultado de um “processo de mudanças nas técnicas culturais e do fabrico do vinho, nas quais teve grande influência a atuação do Estado”[3].
4.0 A chancela da Paisagem Cultural e a relação com as áreas rurais
O instrumento de Preservação de Bens Culturais até a década de 90 eram organizados em salvaguarda do patrimônio material: tombamento, inventários e restauro. A partir dos anos 90 dois novos instrumentos de proteção entram no rol da política de Preservação do Estado brasileiro: o Registro do patrimônio imaterial e a Paisagem Cultural.
A Paisagem Cultural é um fenômeno social e antropológico e decerto também uma categoria no campo de saber da Geografia. Foi adotado e incorporado no campo da Preservação de Bens Culturais por apresentar e delimitar uma referência cultural de salvaguarda que compreende e identifica o fenômeno da necessidade e oportunidade de preservação de tradições culturais relacionadas à um território específico. O estudo da Paisagem Cultural concerne essencialmente ao campo da Geografia. Ao final do séc. XIX emergiu na Alemanha o conceito de Paisagem Cultural na Geografia Moderna, proposto pelo Prof. Carl Sauer[4].
Assim, a Paisagem Cultural busca nos elementos materiais associados à ocupação humana e à utilização da terra a sua descrição sistemática. Em sua obra, Sauer entende o homem e a terra interagindo como um sistema, expressam uma singular sensibilidade, o que definiu sua abordagem para a compreensão de comunidades humanas, os seus estilos de vida e sua paisagem cultural. Nesta concepção, o trabalho do geógrafo seria analisar as transformações da paisagem pela interferência do Homem na natureza. Os desafios que este campo de estudo enfrenta são as variáveis a serem consideradas numa Paisagem Cultural, além da questão de que toda a paisagem tocada pelo homem pode ser considerada uma Paisagem Cultural. No entanto, apesar dessas críticas, a Paisagem Cultural permanece um conceito central na Geografia, tanto na ciência como no senso comum.[5]
A Paisagem Cultural é um conceito que oferece uma síntese tão elementar e ao mesmo tão tempo complexa atribuída justamente à sua capacidade de articulação entre tantas variáveis de ocupação de território, Cultura Material e Antropologia Cultural de tal modo que passou a ser discutida no âmbito das recomendações Unesco na década de 90 com a Recomendação Europa sobre a conservação integradas das áreas de paisagem cultural como integrantes das políticas paisagísticas. Unesco, 1995.[6]
A Paisagem Cultural em território europeu foi regulamentada com dois instrumentos: a Recomendação R (95) 9 no ano de 1995 e a Convenção Europeia da Paisagem no ano de 2000. No ano de 1992 o Comité do Património Mundial da UNESCO adotou a categoria de Paisagem Cultural como categoria de Preservação, com fundamentos determinados pela obra de Carl Sauer. Desde então a Paisagem Cultural vem sendo adotada na Europa e em outros países como um instrumento de Preservação tão prestigiado quanto os tradicionais Inventários e Tombamentos.
No Brasil a portaria do IPHAN nº 127 de 2009 instituiu a chancela da Paisagem Cultural, que define a Paisagem Cultural Brasileira como “uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores” e que “ tem por finalidade atender ao interesse público e contribuir para a preservação do patrimônio cultural, complementando e integrando os instrumentos de promoção e proteção existentes, nos termos preconizados na Constituição Federal.”[7] No entendimento do IPHAN sobre Paisagem Cultural, encontramos:
(...) Paisagem é considerado um triplo significado cultural, porquanto, - é definida e caracterizada da maneira pela qual determinado território é percebido por um indivíduo ou uma comunidade, - dá testemunho ao passado e ao presente do relacionamento existente entre os indivíduos e seu meio ambiente, - ajuda a especificar culturas locais, sensibilidades, práticas, crenças e tradições. (...)[8]
Na discussão e aplicação do instrumento da chancela da paisagem cultural, previsto como instrumento de Preservação dento do arcabouço de atuação do IPHAN em sua missão de Preservação do patrimônio cultural brasileiro, temos que trata-se de:
Um elemento comum às experiências nos diversos âmbitos institucionais diz respeito à definição do que vem a ser a paisagem cultural. Inicialmente o que a define é a sua escala de abrangência: a paisagem cultural diz respeito à determinada porção espacial ou recorte territorial. A paisagem cultural é entendida, assim, sempre como conjunto espacial composto de elementos materiais construídos associados a determinadas morfologias e dinâmicas naturais, formas estas que se vinculam a conteúdos e significados dados socialmente.
O recorte espacial é estabelecido a partir de uma condição peculiar e representativa de determinadas relações estabelecidas entre os grupos sociais com a natureza. Ou seja, do ponto de vista da preservação, o que identifica as paisagens culturais a serem protegidas é o caráter peculiar dessa relação tecida ao longo do tempo e que se revela a partir das formas específicas de uso e apropriação da natureza pelo trabalho humano.
Essas relações podem tanto materializar-se na sua morfologia, como podem ser explicitadas por meio de valores que lhe são atribuídos socialmente. (...) O enfoque da paisagem cultural permite, assim, superar um tratamento compartimentado entre o patrimônio natural e cultural, mas também entre o material e imaterial, entendendo-os como um conjunto único, um todo vivo e dinâmico. Permite compreender as práticas culturais em estreita interdependência com as materialidades produzidas e com as formas e dinâmicas da natureza.[9]
Deste modo, recomendo que as culturas agrícolas tradicionais do município que se relacionam à sua origem e à sua identidade sejam avaliadas sob a perspectiva da atribuição de valor como Paisagem Cultural.
5.0 A dinâmica das relações dos municípios da região metropolitana de São Paulo e o município de São Roque
A partir da década de 60 o acelerado processo de industrialização e crescimento da cidade de São Paulo e de sua região metropolitana transformou esta cidade em um pólo urbanístico que estabelecia relações econômicas e espaciais com outros municípios em seu entorno geográfico imediato. Trata-se do início do processo de metropolização da cidade de São Paulo, quando a cidade somou ao seu papel de capital do estado de São Paulo, a função urbanística de metrópole, ou seja, passou a se consolidar e crescer como um polo econômico, urbanístico e industrial, o qual estabelece relações de interdependência econômica com outros municípios que compõe a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)[10].
Apesar da proximidade e acessibilidade do município de São Roque com a cidade de São Paulo, São Roque não toma parte como um dos 18 municípios que formam a RMSP justamente por não estar conturbada com a capital e por não estar vinculada diretamente ao complexo sistema de relações econômicas, urbanas e sociais da Região Metropolitana de São Paulo ao complexo sistema de papeis econômicos e urbanísticos relacionados às dinâmicas de usos e funções que caracterizam essa região metropolitana.
Neste processo de formação da região metropolitana, o município de São Roque é um caso à parte, o que torna sua situação bastante singular: ao mesmo tempo que está próximo e até contíguo de muitos municípios que formam a RMSP, destes se distingue por preservar características rurais que já foram perdidas e que dificilmente são encontradas em outros territórios tão próximos à capital.
Como muitos municípios da região metropolitana no eixo Oeste e Sudoeste, São Roque passou a acolher loteamentos e condomínios residenciais produzidos para a população de média e alta renda da cidade de São Paulo, a qual buscava maior qualidade ambiental e de vida fora da cidade de São Paulo - ainda que permanecesse com vínculos econômicos de trabalho e renda com a cidade.
A partir da década de 70 e 80, os municípios de Cotia, Carapicuíba, Barueri e Osasco, parte integrante dos eixos sudoeste e oeste da Região Metropolitana de São Paulo, passaram a ser alvo de intenso e agressivo processo de incorporação e loteamento de antigas chácaras e fazendas para a produção de habitação unifamiliar de médio e alto padrão, dando origem à condomínios residenciais horizontais que hoje caracterizam essas cidades, junto com a habitação e os assentamentos informais. Este é um padrão que se perpetua até o presente e que, atualmente, continua a avançar sobre áreas rurais, agora sob uma tipologia de empreendimentos residenciais, públicos e privados, de perfil popular.
Na contramão deste processo agressivo, descontrolado e de baixa qualidade urbanística e investimento irracional de infraestrutura urbana que caracterizam os municípios citados acima, São Roque tem preservado sua qualidade ambiental por exigir um rígido controle sobre a taxa de ocupação do solo para novos empreendimentos.
6.0 Considerações sobre o Plano Diretor de São Roque e a salvaguarda dos bens culturais presentes no município
O Plano Diretor é uma lei municipal que orienta a preservação de áreas e bens de interesse coletivo, de áreas urbanas centrais e periféricas e de áreas rurais e deve oferecer subsídios para o crescimento e o desenvolvimento urbano e ambiental do município como um todo.
Deve ser elaborado com a participação da sociedade, uma vez que sua implantação afeta a todos em diversas dimensões – econômicas, culturais, sociais e de qualidade de vida. Deve ser resultado de um pacto social pela definição dos instrumentos de planejamento urbano e organização dos espaços do município visando o Bem Comum, de modo que o planejamento do município atenda às necessidades coletivas de toda a população.
Considerando os bens culturais do município de São Roque a proposta do Plano Diretor em discussão no município, em referência ao Oficio Nº 1591/2023 da Câmara Municipal da Estancia Turística de São Roque ( SEI IPHAN Proc. 01506.000903/2023-67), entendo que a Preservação e a Salvaguarda dos bens culturais citados nesta manifestação não estão garantidas, em particular pela questão das profundas alterações propostas que descaracterizam as áreas de entorno, estejam estas áreas definidas ou não por portarias dos órgãos de Preservação e pela descaracterização e incorporação à alha urbana de áreas rurais de valor cultural e ambiental.
Deste modo, recomendo que o município consulte formalmente os órgãos de Preservação Federal, Estadual e Municipal sobre as consequências ambiental e cultural desta minuta de proposta para os bens culturais, os bens tombados e os bens em processo de tombamento.
7.0 A Constituição Federal e as políticas públicas de proteção e preservação da Cultura
A Constituição Federal de 1988 ampliou as definições de patrimônio cultural brasileiro, que passaram a abranger “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”[11]
A Constituição brasileira garante os direitos de proteção pelo Estado da memória e das tradições do povo brasileiro e dos povos e comunidades tradicionais nos artigos 215 e 216. O Tombamento, os inventários, a Paisagem Cultural e o Registro do Patrimônio Imaterial são diferentes instrumentos de proteção cultural que se organizam e se complementam com o objetivo de oferecer salvaguarda às referências de memória social e cultural.
Concluo esta manifestação com a clareza de que as questões que envolvem a proteção e identificação do patrimônio cultural no município de São Roque não estão contempladas com a devida integridade pela minuta do instrumento urbanístico do Plano Diretor do município e que este deve discutir com a sociedade a salvaguarda de seu patrimônio e das referências culturais preservadas e a preservar com a devida profundidade e responsabilidade que o tema exige.
“Cada geração só dispõe do patrimônio a título passageiro. ”
Manifesto de Amsterdã, Carta europeia do patrimônio arquitetônico. 1975
Respeitosamente,
Raquel Nery
Arquiteta e Urbanista
IPHAN
1559397
[1] “[...] às vésperas da instalação do governo geral, em 1549, haviam sido fundadas no litoral brasileiro cerca de 16 vilas e povoados, que já exportavam mercadorias para a Metrópole. ” In: REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução urbana do Brasil (1500-1720). São Paulo. Pioneira. 1968.p. 31.
[2] ROMERO, Lia Alejandra Borcosque. A Vitivinicultura no Estado de São Paulo. Dissertação Mestrado Universidade de Campinas (UNICAMP), 2004.
[3] Ide, ibidem
[4] A ideia da paisagem como parte da Cultura e em função desta mesma, se constituir em uma paisagem adaptada foi um contraponto ao determinismo ambiental nesta ciência, corrente que predominante até então. Segundo Mikesell, como categoria de estudo, a fluidez e a diversidade das relações humanas que ocupavam e moldavam a paisagem escapavam à escola determinista, de modo que a paisagem física era transformada em paisagem cultural pela atividade humana.
[5]Sauer é introduzido nos Estados Unidos com a publicação do ensaio “Morphology of Landscape” em 1925: (…) for a number of geographers, the cultural landscape represents more than simply the visible, physical remains of human activity on the land; it provides insight into human value systems, defines complex relationships between environmental attitudes and environmental behavior, and documents the preferences of a people with respect to their surroundings. In this view, the aesthetic landscape is a symbolic creation, designed with care, whose form reflects a set of human attitudes. Those imprints which man has left on nature, therefore, reveal the thinking of a people about the world around them.
[6] CURY, Isabelle (org.) Iphan, Rio de Janeiro; 3ª edição, 2004.P. 331-332
[7] Idem
[8] Portaria nº 127 de 30/04/2009 / IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
[9] SCIFONI, Simone. Paisagem cultural. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016. (verbete). ISBN 978-85-7334-299-4
[10] Os municípios que hoje formam a Região Metropolitana de São Paulo, então em formação, passaram a assumir papeis complementares ao da capital em pelo menos dois aspectos – no processo de industrialização e no processo de abastecimento. No aspecto do desenvolvimento industrial, alguns municípios receberam indústrias consideradas incompatíveis com a ocupação e com o crescimento populacional e habitacional da cidade de São Paulo. No aspecto do abastecimento, muitos municípios assumiram o papel de produtores de alimentos, conhecido pela expressão “cinturão verde”. Estes papeis não foram excludentes e alguns destes municípios chegaram a assumir ambas as funções, às vezes de modo concomitante.
[11] Artigo 216 da Constituição Federal Brasileira de 1988.
| Documento assinado eletronicamente por Raquel da Costa Nery, Coordenadora Técnica Substituta do IPHAN-SP, em 31/08/2023, às 13:52, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
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Referência: Processo nº 01506.000903/2023-67 |
SEI nº 4684803 |